Canto I, estâncias 12 e 13 (Camões dirige-se a D.Sebastião):
| ||
12-
.
.
.
.
.
.
.
|
Por estes vos darei um Nuno fero,
que fez ao rei e ao reino tal serviço,
um Egas e um Dom Fuas, que de Homero
a cítara para eles só cobiço;
pois pelos Doze Pares dar-vos quero
os Doze de Inglaterra e o seu Magriço;
dou-vos também aquele ilustre Gama
que para si de Eneias toma a fama.
|
um Nuno fero- D.Nuno Álvares Pereira;
um Egas- Egas Moniz;
um Dom Fuas- D.Fuas Roupinho;
Homero- lendário poeta grego que teria sido o autor da Odisseia e da Ilíada (cítara- instrumento musical com que os gregos acompanhavam a declamação);
Doze Pares- os Doze Pares de França, cavaleiros de Carlos Magno;
os Doze de Inglaterra e o seu Magriço- doze cavaleiros portugueses que teriam ido a Inglaterra desafrontar doze damas ofendidas por cavaleiros ingleses.
|
13-
.
.
.
.
.
.
.
|
Pois, se a troco de Carlos, rei de França,
ou de César, quereis igual memória,
vede o primeiro Afonso, cuja lança,
escura faz qualquer estranha glória;
e aquele que a seu reino a segurança
deixou, com a grande e próspera vitória;
outro Joanne, invicto cavaleiro;
o quarto e quinto Afonsos e o terceiro.
|
Carlos- Carlos Magno cujo império incluía a França;
o primeiro Afonso- D.Afonso Henriques;
cuja lança, escura faz qualquer estranha glória- cujos feitos de armas fazem empalidecer, por comparação, as glórias alheias;
aquele que (...) com a grande e próspera vitória- D. João I que garantiu a independência de Portugal com a vitória de Aljubarrota;
outro Joanne, invicto cavaleiro- D. João II que, ainda príncipe, comandou a vanguarda portuguesa na batalha de Toro, superiorizando-se aos opositores.
|
- ouça estas estâncias (mal lidas)- para estudantes estrangeiros | ||
Os Lusíadas de Luís de Camões ilustrados por Carlos Alberto Santos | |||
| |||
óleo de Carlos Alberto Santos (col. particular) | |||
42-
.
.
.
.
.
.
.
|
Mas já o príncipe Afonso aparelhava
o Lusitano exército ditoso,
contra o Mouro que as terras habitava
de além do claro Tejo deleitoso;
já no campo de Ourique se assentava
o arraial soberbo e belicoso,
defronte do inimigo Sarraceno,
posto que em força e gente tão pequeno.
|
aparelhava- preparava;
posto que- embora, no entanto.
| |
43-
.
.
.
.
.
.
.
|
Em nenhua outra cousa confiado,
senão no sumo Deus que o Céu regia,
que tão pouco era o povo baptizado,
que, para um só, cem mouros haveria.
Julga qualquer juízo sossegado
por mais temeridade que ousadia
cometer um tamanho ajuntamento,
que para um cavaleiro houvesse cento.
|
tão pouco era o povo baptizado- tão poucos eram os cristãos;
julga qualquer juízo sossegado- dirá qualquer pessoa de bom senso;
cometer- atacar.
| |
44-
.
.
.
.
.
.
.
|
Cinco reis mouros são os inimigos,
dos quais o principal Ismar se chama;
todos exprimentados nos perigos
da guerra, onde se alcança a ilustre fama.
Seguem guerreiras damas seus amigos,
imitando a formosa e forte Dama
de quem tanto os Troianos se ajudaram,
e as que o Termodonte já gostaram.
|
a formosa e forte dama (etc...)- refere-se à rainha das míticas amazonas (que viviam junto do rio Termodonte) e que, segundo a lenda, ajudou na defesa de Tróia;
gostaram- provaram (da água do rio)- compare-se com o françês "goûter".
| |
45-
.
.
.
.
.
.
.
|
A matutina luz, serena e fria,
as estrelas do polo já apartava,
quando na Cruz o Filho de Maria,
amostrando-se a Afonso, o animava.
Ele, adorando Quem lhe aparecia,
na Fé todo inflamado assim gritava:
"Aos Infiéis, Senhor, aos Infiéis,
e não a mim, que creio o que podeis!"
|
polo- céu;
Filho de Maria- Jesus (alusão a uma visâo de Jesus Crucificado por Afonso Henriques, antes da batalha de Ourique, na qual se baseia a origem mística de Portugal).
| |
46-
.
.
.
.
.
.
.
|
Com tal milagre os ânimos da Gente
Portuguesa inflamados, levantavam
por seu Rei natural este excelente
Príncipe, que do peito tanto amavam;
e diante do exército potente
dos imigos, gritando, o céu tocavam,
dizendo em alta voz: "Real, real,
por Afonso, alto Rei de Portugal!"
|
imigos- inimigos;
Aclamação pelo exército do príncipe como Rei de Portugal ("Arraial por Afonso, Rei de Portugal). | |
50-
.
.
.
.
.
.
.
|
Destarte o Mouro, atónito e torvado,
toma sem tento as armas mui depressa;
não foge, mas espera confiado,
e o ginete belígero arremessa.
O Português o encontra denodado,
pelos peitos as lanças lhe atravessa;
uns caem meios mortos e outros vão
a ajuda convocando do Alcorão.
| Destarte- deste modo; desta forma; assim; na sequência disto. | |
52-
.
.
.
.
.
.
.
|
Cabeças pelo campo vão saltando,
braços, pernas, sem dono e sem sentido,
e doutros as entranhas palpitando,
Pálida a cor, o gesto amortecido.
Já perde o campo o exército nefando;
correm rios do sangue desparzido,
com que também do campo a cor se perde,
tornado carmesim, de branco e verde.
|
o gesto- o semblante;
nefando- abominável;
desparzido- derramado.
| |
53-
.
,
.
.
.
.
.
|
Já fica vencedor o Lusitano,
recolhendo os troféus e presa rica;
desbaratado e roto o Mauro Hispano,
três dias o grão Rei no campo fica.
Aqui pinta no branco escudo ufano,
que agora esta vitória certifica,
cinco escudos azuis esclarecidos,
em sinal destes cinco Reis vencidos.
|
ufano- orgulhoso;
esclarecidos- ilustres, nobres. | |
João Manuel Mimoso
|
1960
| José Alfredo Vilhena Rodrigues nasceu a 7 de Julho de 1927 em Figueira de Castelo Rodrigo. Passou a infância em Freixedas (nos arredores de Pinhel) e refere-se sempre a esta aldeia da Beira Alta como se dela fosse natural. Cursou Arquitectura na Escola de Belas-Artes do Porto, mas não chegou a concluir o curso. Fixando residência em Lisboa, realizou anedotas ilustradas (cartoons) e escreveu textos humoristicos para jornais e revistas (Diário de Lisboa, Cara Alegre, O Mundo Ri,...). Publicou a primeira colectânea de anedotas ilustradas em 1956 ( Este Mundo e o Outro) a que se seguiram outros, bem como livros com textos humoristicos dos quais o primeiro foi Manual de Etiqueta publicado em 1959. | |
1974
| Com o fim da publicação da revista O Mundo Ri, em 1966, dedicou-se com mais intensidade à escrita, tendo chegado a publicar nove livros humorísticos de sua autoria num único ano (1971). Soube (e ousou) como poucos aproveitar a Censura Oficial, então vigente, a seu favor, quer utilizando-a como objecto de paródia, quer utilizando a apreensão frequente dos seus livros para incentivar as vendas por assinatura. O desrespeito pelos padrões estabelecidos valeu-lhe três estadias nos calabouços da PIDE (1962, 64 e 66) que contribuiram, tanto quanto a marginalidade dos seus textos e ilustrações, para o tornar um mito moderno. | |
1975
| A Revolução de Abril encontrou Vilhena numa fase de renovação gráfica e tentativa de afirmação de uma publicação com características periódicas (a "Grande Enciclopédia Vilhena" em fascículos). Foi graças a essa situação e à capacidade que tem de assegurar sozinho a redacção e ilustração das suas publicações que conseguiu colocar no mercado o nº 1 da revista Gaiola Aberta em Maio de 1974. Durante vários anos a Gaiola Aberta, parcialmente impressa a cores, manteve padrões de qualidade gráfica e humoristica difíceis de superar, mesmo por revistas estrangeiras com uma vintena de colaboradores. Ademais, o tipo de humor revisteiro de Vilhena adaptava-se singularmente bem à liberalização de costumes que caracterizou o pós-25 de Abril e permitiu a sua descoberta por novos estratos sociais. | |
1992
| Após um hiato de quatro anos que se seguiu ao fim da Gaiola Aberta, durante o qual se defendeu de um processo intentado na sequência de uma fotomontagem que envolvia a princesa Carolina Grimaldi, Vilhena regressou com o Fala Barato, primeiro em formato de jornal e depois de revista, em que os limitados meios gráficos eram compensados pela variedade de caricaturas brilhantemente executadas e pela diversidade dos textos humorísticos. Seguiram-se O Cavaco e, mais recentemente, O Moralista onde Vilhena adopta métodos de comunicação mais modernos (textos curtos e profusão de cartoons humoristicos). Num país onde prolifera o cinzentismo, o Vilhena que conhecemos através das suas publicações é colorido e multifacetado. Não só é um brilhante ilustrador, caricaturista de mérito e humorista (a nível nacional é, realmente, o humorista!) como também um autêntico original. | |
Reproduções autorizadas por J.Vilhena |
Texto: João Manuel Mimoso
|
Sobre a fantasia e o humor de Vilhena... | ||||||
| ||||||
| ||||||
| ||||||
| ||||||
| ||||||
| ||||||
| ||||||
|
| |||||
| ||||||
| ||||||
| ||||||
| ||||||
| ||||||
| ||||||
|
|