quinta-feira, maio 03, 2012


Canto I, estâncias 12 e 13 (Camões dirige-se a D.Sebastião):
12-
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Por estes vos darei um Nuno fero,
que fez ao rei e ao reino tal serviço,
um Egas e um Dom Fuas, que de Homero
a cítara para eles só cobiço;
pois pelos Doze Pares dar-vos quero
os Doze de Inglaterra e o seu Magriço;
dou-vos também aquele ilustre Gama
que para si de Eneias toma a fama.
um Nuno fero- D.Nuno Álvares Pereira;
um Egas- Egas Moniz;
um Dom Fuas- D.Fuas Roupinho;
Homero- lendário poeta grego que teria sido o autor da Odisseia e da Ilíada (cítara- instrumento musical com que os gregos acompanhavam a declamação);
Doze Pares- os Doze Pares de França, cavaleiros de Carlos Magno;
os Doze de Inglaterra e o seu Magriço- doze cavaleiros portugueses que teriam ido a Inglaterra desafrontar doze damas ofendidas por cavaleiros ingleses.
13-
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Pois, se a troco de Carlos, rei de França,
ou de César, quereis igual memória,
vede o primeiro Afonso, cuja lança,
escura faz qualquer estranha glória;
e aquele que a seu reino a segurança
deixou, com a grande e próspera vitória;
outro Joanne, invicto cavaleiro;
o quarto e quinto Afonsos e o terceiro.
Carlos- Carlos Magno cujo império incluía a França;
o primeiro Afonso- D.Afonso Henriques;
cuja lança, escura faz qualquer estranha glória- cujos feitos de armas fazem empalidecer, por comparação, as glórias alheias;
aquele que (...) com a grande e próspera vitória- D. João I que garantiu a independência de Portugal com a vitória de Aljubarrota;
outro Joanne, invicto cavaleiro-  D. João II que, ainda príncipe, comandou a vanguarda portuguesa na batalha de Toro, superiorizando-se aos opositores.
- ouça estas estâncias (mal lidas)- para estudantes estrangeiros
Os Lusíadas de Luís de Camões
ilustrados por Carlos Alberto Santos
Canto III, estâncias 42-53
A Batalha de Ourique- origem mística de Portugal e aclamação de Afonso Henriques como rei; adopção dos cinco escudos como armas nacionais.
óleo de Carlos Alberto Santos (col. particular)
42-
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Mas já o príncipe Afonso aparelhava
o Lusitano exército ditoso,
contra o Mouro que as terras habitava
de além do claro Tejo deleitoso;
já no campo de Ourique se assentava
o arraial soberbo e belicoso,
defronte do inimigo Sarraceno,
posto que em força e gente tão pequeno.
aparelhava- preparava;
posto que- embora, no entanto.
43-
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Em nenhua outra cousa confiado,
senão no sumo Deus que o Céu regia,
que tão pouco era o povo baptizado,
que, para um só, cem mouros haveria.
Julga qualquer juízo sossegado
por mais temeridade que ousadia
cometer um tamanho ajuntamento,
que para um cavaleiro houvesse cento.
tão pouco era o povo baptizado- tão poucos eram os cristãos;
julga qualquer juízo sossegado- dirá qualquer pessoa de bom senso;
cometer- atacar.
44-
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Cinco reis mouros são os inimigos,
dos quais o principal Ismar se chama;
todos exprimentados nos perigos
da guerra, onde se alcança a ilustre fama.
Seguem guerreiras damas seus amigos,
imitando a formosa e forte Dama
de quem tanto os Troianos se ajudaram,
e as que o Termodonte já gostaram.
a formosa e forte dama (etc...)- refere-se à rainha das míticas amazonas (que viviam junto do rio Termodonte) e que, segundo a lenda, ajudou na defesa de Tróia;
gostaram- provaram (da água do rio)- compare-se com o françês "goûter".
45-
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A matutina luz, serena e fria,
as estrelas do polo já apartava,
quando na Cruz o Filho de Maria,
amostrando-se a Afonso, o animava.
Ele, adorando Quem lhe aparecia,
na Fé todo inflamado assim gritava:
"Aos Infiéis, Senhor, aos Infiéis,
e não a mim, que creio o que podeis!"
polo- céu;
Filho de Maria- Jesus (alusão a uma visâo de Jesus Crucificado por Afonso Henriques, antes da batalha de Ourique, na qual se baseia a origem mística de Portugal).
46-
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Com tal milagre os ânimos da Gente
Portuguesa inflamados, levantavam
por seu Rei natural este excelente
Príncipe, que do peito tanto amavam;
e diante do exército potente
dos imigos, gritando, o céu tocavam,
dizendo em alta voz: "Real, real,
por Afonso, alto Rei de Portugal!"
imigos- inimigos;
Aclamação pelo exército do príncipe como Rei de Portugal ("Arraial por Afonso, Rei de Portugal).
50-
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Destarte o Mouro, atónito e torvado,
toma sem tento as armas mui depressa;
não foge, mas espera confiado,
e o ginete belígero arremessa.
O Português o encontra denodado,
pelos peitos as lanças lhe atravessa;
uns caem meios mortos e outros vão
a ajuda convocando do Alcorão.
Destarte- deste modo; desta forma; assim; na sequência disto.
52-
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Cabeças pelo campo vão saltando,
braços, pernas, sem dono e sem sentido,
e doutros as entranhas palpitando,
Pálida a cor, o gesto amortecido.
Já perde o campo o exército nefando;
correm rios do sangue desparzido,
com que também do campo a cor se perde,
tornado carmesim, de branco e verde.
o gesto- o semblante;
nefando- abominável;
desparzido- derramado.
53-
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Já fica vencedor o Lusitano,
recolhendo os troféus e presa rica;
desbaratado e roto o Mauro Hispano,
três dias o grão Rei no campo fica.
Aqui pinta no branco escudo ufano,
que agora esta vitória certifica,
cinco escudos azuis esclarecidos,
em sinal destes cinco Reis vencidos.
ufano- orgulhoso;
esclarecidos- ilustres, nobres.
João Manuel Mimoso
 

 
   
1960
 José Alfredo Vilhena Rodrigues nasceu a 7 de Julho de 1927 em Figueira de Castelo Rodrigo. Passou a infância em Freixedas (nos arredores de Pinhel) e refere-se sempre a esta aldeia da Beira Alta como se dela fosse natural. 
Cursou Arquitectura na Escola de Belas-Artes do Porto, mas não chegou a concluir o curso. 
Fixando residência em Lisboa, realizou anedotas ilustradas (cartoons) e escreveu textos humoristicos para jornais e revistas (Diário de Lisboa, Cara Alegre, O Mundo Ri,...). Publicou a primeira colectânea de anedotas ilustradas em 1956 ( Este Mundo e o Outro) a que se seguiram outros, bem como livros com textos humoristicos dos quais o primeiro foi Manual de Etiqueta publicado em 1959.
   
1974
 Com o fim da publicação da revista O Mundo Ri, em 1966, dedicou-se com mais intensidade à escrita, tendo chegado a publicar nove livros humorísticos de sua autoria num único ano (1971). 
Soube (e ousou) como poucos aproveitar a Censura Oficial, então vigente, a seu favor, quer utilizando-a como objecto de paródia, quer utilizando a apreensão frequente dos seus livros para incentivar as vendas por assinatura. 
O desrespeito pelos padrões estabelecidos valeu-lhe três estadias nos calabouços da PIDE (1962, 64 e 66) que contribuiram, tanto quanto a marginalidade dos
seus textos e ilustrações, para o tornar um mito moderno.
   
1975
 A Revolução de Abril encontrou Vilhena numa fase de renovação gráfica e tentativa de afirmação de uma publicação com características periódicas (a "Grande Enciclopédia Vilhena" em fascículos). Foi graças a essa situação e à capacidade que tem de assegurar sozinho a redacção e ilustração das suas publicações que conseguiu colocar no mercado o nº 1 da revista Gaiola Aberta em Maio de 1974. Durante vários anos a Gaiola Aberta, parcialmente impressa a cores, manteve padrões de qualidade gráfica e humoristica difíceis de superar, mesmo por revistas estrangeiras com uma vintena de colaboradores. Ademais, o tipo de humor revisteiro de Vilhena adaptava-se singularmente bem à liberalização de costumes que caracterizou o pós-25 de Abril e permitiu a sua descoberta por novos estratos sociais.
   
1992
 Após um hiato de quatro anos que se seguiu ao fim da Gaiola Aberta, durante o qual se defendeu de um processo intentado na sequência de uma fotomontagem que envolvia a princesa Carolina Grimaldi, Vilhena regressou com o  Fala Barato, primeiro em formato de jornal e depois de revista, em que os limitados meios gráficos eram compensados pela variedade de caricaturas brilhantemente executadas e pela diversidade dos textos humorísticos. 
Seguiram-se O Cavaco e, mais recentemente, O Moralista onde Vilhena adopta métodos de comunicação mais modernos (textos curtos e profusão de cartoons humoristicos). 
Num país onde prolifera o cinzentismo, o Vilhena que conhecemos através das suas publicações é colorido e multifacetado. Não só é um brilhante ilustrador, caricaturista de mérito e humorista (a nível nacional é, realmente, o humorista!) como também um autêntico original.
Reproduções autorizadas por J.Vilhena 
Texto: João Manuel Mimoso
 
Sobre a fantasia e o humor de Vilhena...
A generalidade dos autores conta histórias que tenta enquadrar no mundo real e basear na sua própria experiência. Alguns autores de géneros ditos fantásticos criam universos diferentes do nosso e pedem ao leitor que os aceitem como premissa. Uma vez aceite a "realidade" e as leis sociológicas ou outras desse mundo, contam a história enquadrada pelos parâmetros desse novo universo. Tolkien, por exemplo, descreve um mundo onde existem seres fabulosos e onde a magia é uma realidade palpável, e depois usa-o como cenário do ciclo do Senhor dos Anéis.
Vilhena também criou uma conceptualização própria do mundo na qual os seus personagens se movem. As leis físicas desse mundo são aproximadamente idênticas às do mundo real, mas os enquadramentos psicológico e sociológico são muito diferentes. É o Universo Vilhena. Este universo é uma simplificação do mundo real (no sentido em que atribui a todos os entes de uma classe as qualidades- ou melhor, os defeitos- que só alguns terão) com dois aspectos particularmente interessantes: por um lado as premissas de base são sempre politicamente incorrectas; e, por outro, esse universo é utilizado como base, não de um ou dois contos, mas de incontáveis peças de humor de todo o tipo, desde cartoons gráficos até novelas de certo fôlego. Este ensaio discute (despretensiosamente, excepto pelo nome) algumas características do fascinante UNIVERSO VILHENA.
 
1- OS HOMENS E AS MULHERES

No Universo Vilhena há dois tipos básicos de mulheres: as perfeitamente perfeitas e as perfeitamente horrorosas (tipo "bruxa da Branca de Neve"). Todas procuram um homem que lhes pague o vison. Se casadas são adúlteras; se solteiras anseiam por sê-lo (adúlteras, entenda-se!)- clique na imagem à direita.
Só há, por outro lado, um tipo básico de homem: físicamente inferior (e ainda mais por comparação com a esculturalidade delas), ingénuo e facilmente manipulado pelas mulheres.
A legenda da fabulosa capa de O Mundo Ri à direita é: "Não, não é a sua gatinha; deve ter-se enganado no número..." (clique na imagem ao lado para apreciar a cena numa versão ampliada).
No Universo Vilhena na sua forma mais pura, o homem procura o sexo; a mulher o dinheiro... ( Nota do autor destas linhas: recuso-me a argumentar com quem sugira que o mesmo se passa no mundo real! )
As duas imagens à direita estão activas, para vosso estudo. Notar bem, na imagem aumentada, a deliciosa expressão do médico do "Dói-me aqui". Em "Como apanhar um marido" a imagem aumentada corresponde à capa do livro.
2- A IGREJA
 
Os eclesiásticos no seu conjunto são o alvo favorito da artilharia de Vilhena e transparece dos seus textos a alegria do ataque. No Universo Vilhena as suas duas características mais marcantes são: o conservadorismo e a avidez.
Os ataques não são pessoais e o autor chega até a mostrar simpatia pelos bispos mais progressistas. Também não são, nem contra a religião em si, nem contra a figura do Cristo. Os ataques e as brincadeiras dirigem-se, com raras excepções, contra prelados idealizados pela negativa (bispos proverbialmente gordos ou diáconos gangsterianos) e envolvem com alguma frequência freiras esculturais.
À direita, cartoon publicado no Fala Barato após a comprovação científica de que o sudário de Turim datava da época medieval. Abaixo três ilustrações escolhidas por mim, incluindo duas publicadas aquando das memoráveis campanhas contra a concessão de um canal de televisão à Igreja.
Ao lado, da esquerda para a direita e de cima para baixo: 1) "Outra vez no top, os padres, contentes,/ Já saem da casca, já mostram os dentes"; 2) "Têm jornais deles, radiodifusão,/ Vão meter a pata na televisão!": 3) "Moveram empenhos, fizeram promessas,/ O Chico dos Porsches foi nessas conversas"; 4) "Com suas cantigas levaram-no à certa/ (Nem o homem das botas lhes deu essa aberta)"; 5) "E agora que têm a faca e o queijo/ Vão pôr a tocar o seu realejo"; 6) "Com suavidade e devagarinho/ Levarão a água p'ro seu moinho"; 7)"Mandarão em todos, serão uns senhores/ E nós tão somente telespectadores 8) "E não admira se a sua missão/ Trouxer de volta a Inquisição"... (q.e.d.)
3- DEUS E O DIABO
Deus e o Diabo são entes reais no Universo Vilhena, mais materiais do que metafísicos (ocasionalmente Deus ou S.Pedro telefonavam mesmo ao saudoso patriarca de Lisboa para o admoestarem com semblante zangado: "António, só fazes disparates!".
No Universo Vilhena Deus é um velho conservador que criou tudo aquilo que o autor ataca e que vê todas as injustiças do mundo sem se lhes opôr. Além disso é adepto do F.C.Porto! Não surpreende portanto (do autor espera-se tudo...) que, como seu contraponto, o Diabo tenha necessariamente que ser visto positivamente. E é do Benfica!
Eis duas das conversas entre Deus e o Diabo, com balões ao estilo da revista americana "MAD":
Acima- Incidente entre o Céu e o Patriarcado de Lisboa: "António, António, só fazes burrices!!!" (Gaiola Aberta).
4- OS POLÍTICOS E A POLÍTICA
Não há políticos simultaneamente honestos e inteligentes no Universo Vilhena, e se os há não são dignos de menção. Na verdade o humor não se faz com encómios e, portanto, só a parte negativa do carácter é realmente interessante. O próprio Vilhena o diz, de maneira exemplar, dirigindo-se pretensamente a Cavaco Silva (Fala Barato nº24- Fevereiro de 1990): "Outra queixa e não pequena que tenho de si, sr. Primeiro Ministro, é que está a afastar da cena política algumas das figuras mais divertidas e caricaturáveis. Começou por tirar o apoio ao Abecassis que era um manancial de boa disposição, e, depois, não se empenhou o bastante para impor o Marcelo, que também daria pano para mangas. Resultado: temos na Câmara de Lisboa o Sampaio, que parece um tipo sério- logo, não dá grandes hipóteses de gozo!".
Depois da Igreja, os políticos são, historicamente, o alvo preferido de Vilhena. O agitado periodo que se seguiu à Revolução de Abril representou o auge do interesse pela política no Portugal recente e, como tal, as actualidades eram "tratadas" por Vilhena em cada número da Gaiola Aberta. Mais tarde, Cavaco Silva e os seus coloridos ministros proporcionaram uma época de ouro aos poucos humoristas portugueses. A Vilhena inspiraram alguns dos melhores textos do Fala Barato.
A produção do autor neste campo corresponde, sobretudo, aos periodos de publicação da Gaiola Aberta e do Fala Barato. Neste último houve, durante cerca de um ano, uma rubrica de boa memória que consistia na revisão do mês através de uma notícia diária cujo conteúdo era frequentemente político. O último governo de Cavaco Silva inspirou a Vilhena o título da revista "O Cavaco" que se publicou durante 17 meses mas que, estranhamente, conteve muito pouca sátira política, tendência que se confirmou com O Moralista e que reflecte o desinteresse da própria sociedade pelo tema. No que respeita à Política e aos políticos, o Universo Vilhena está resumido nas duas ilustrações abaixo...
5- O FUNCIONALISMO PÚBLICO
O funcionalismo público segundo Vilhena pode ser resumido nas duas imagens seguintes... Palavras para quê?
 
Ocorre, no entanto (e felizmente), a proverbial excepção que confirma a regra quase englobante: quando Vilhena pretende um referencial de excelência, utiliza o Laboratório Nacional de Engenharia Civil como uma espécie de contraponto à corrupção decadente que permeia a sua visão desencantada do enquadramento nacional (e isto apesar de o LNEC existir no âmbito do funcionalismo público).
Eis uma passagem de "1985, Terramoto em Lisboa" (ficção social e política escrita no final da década de 70) que se passa durante uma conferência de imprensa em que o Primeiro Ministro Lucas Pires comunica que o LNEC vai montar uma operação para remover os cadáveres que se amontoavam nas ruas após um terramoto que tinha devastado Lisboa:
"-Não lhes revelarei pormenores, por falta de conhecimentos técnicos, mas posso adiantar que o Laboratório Nacional de Engenharia Civil está neste momento a ultimar os preparativos de uma operação que nos libertará rapidamente de todos os cadáveres. (...) O Laboratório, com a colaboração da Sacor, da Gazcidla, da Mobil, da BP e da Petrogal vai fazê-los desaparecer por um processo inédito que ainda por cima nos permitirá produzir e armazenar grande quantidade de energia química. (...)
-Mas isso será viável?- perguntavam, pasmados, os jornalistas. -O sistema já foi experimentado alguma vez?... As companhias estrangeiras vão colaborar?... Os tipos da Petrogal não vão encrencar tudo?... O Laboratório será mesmo capaz de montar a operação?
-Penso que sim, que a coisa vai resultar,(...) O Laboratório de Engenharia Civil, como sabem, dispõe de um excelente staff, que escapou quase por inteiro ao terramoto; de um director extremamente dinâmico, o mega-engenheiro Ferry Borges; e de uma tecnologia avançadíssima, com ampla projecção internacional e intercontinental. Quando faz, faz bem! (...)".
O facto de o LNEC ser a única instituição nacional favoravelmente mencionada por Vilhena deve constituir um motivo de justificado orgulho para os seus técnicos e merece a reprodução do texto ao lado, datado de 1998, em que lhe atribuem verdadeiros superpoderes...
6- JESUS CRISTO
Jesus Cristo constitui a única anomalia no ordenado Universo de Vilhena: anda por uma Galileia sob o jugo romano mas onde há televisão, onde se pratica nudismo nas praias do Mar Morto, onde se fala do presidente Clinton, e onde se cruza naturalmente com Pinto da Costa, Santana Lopes, e muitas outras figuras da nossa praça. Isto é, não se trata verdadeiramente de uma personagem com materialidade no universo imaginário de Vilhena mas antes de uma "ficção dentro da ficção" criada para dar corpo a uma sucessão de parábolas que constituem a rubrica mais duradoura nas suas revistas: Jesus Cristo é a personagem central de um novíssimo testamento iniciado há cerca de 25 anos na Gaiola Aberta e no qual Vilhena reescreve cenas dos Evangelhos utilizando "colunáveis" da nossa praça. Por exemplo:
JESUS CURA PACHECO PEREIRA- Descendo do monte acompanhado de grande multidão, Jesus sentou-se junto à praia rodeado dos seus discípulos. E eis que um empedernido estalinista chamado Pacheco Pereira, tendo-se aproximado, ajoelhou dizendo: "Senhor, se quiseres, podes purificar-me". E Jesus, compadecido, estendeu a mão e tocou-o, dizendo: "Quero, fica limpo". E imediatamente o homem ficou limpo da tenebrosa ideologia, perante o assombro de quantos ali estavam. Disse-lhe então Jesus: "Vai e não digas a ninguém que fui eu quem te curou". E bendizendo o Mestre, o homem foi logo inscrever-se no PSD. (...)
Uma selecção de textos do Novíssimo Testamento, revistos e enquadrados por outros inéditos, foi recentemente editada como livro (com o nome "O Evangelho Segundo José Vilhena") constituindo a mais notável publicação do autor nos últimos anos. Quanto a Jesus, é o único personagem inteiramente positivo do Universo Vilhena o que comprova o seu estatuto fabuloso: veja-se a sua representação na magnífica ilustração abaixo, comparando-o com a do gordo bispo com a sempre presente caixa de esmolas...
 
 
E assim termina este ensaio destinada ao vosso e ao meu divertimento, mas também a chamar a atenção dos colegas sociólogos para o interesse de estudos do/ no Universo Vilhena (seguindo as pisadas traçadas pela tese pioneira de Rui Zink) em vez de perderem tempo em estudos notavelmente estéreis tais como levantamentos dos hábitos sexuais dos arrumadores de automóveis de Lisboa ou avaliações do gregarismo dos ciganos romenos estabelecidos em Aguiar da Beira. Assim espero!
 
João Manuel Mimoso