18OUT2010 - 272º Dia - khop khun krab Krung Thep! Obrigado Cidade dos Anjos! Largámos esta quinta-feira de Banguecoque, “Krung Thep” para os tailandeses! Na verdade esta é a abreviatura da cidade que tem o nome mais comprido do Mundo e que traduzido para o português é: "A cidade dos anjos, a grande cidade, a cidade que é jóia eterna, a cidade inabalável do deus Indra, a grande capital do mundo ornada com nove preciosas gemas, a cidade feliz, Palácio Real enorme em abundância que se assemelha à morada celestial onde reina o deus reencarnado, uma cidade dada por Indra e construída por Vishnukam". Com cerca de 12 milhões de habitantes, a capital da Tailândia estende-se numa grande área à volta do rio Chao Phraya, de água barrenta, maioritariamente na sua margem esquerda, numa zona em que o rio serpenteia e tem várias ramificações, a 30 milhas da foz. Seria perfeito se não fosse tão poluído. A cidade é riquíssima em Templos Budistas, Palácios e Mercados e tem muito trânsito, sendo os percursos por rio os mais rápidos. A imagem que nos fica do trânsito é o colorido de milhares de táxis das mais variadas cores em tom choque. Faz muito calor e os aguaceiros fortes são frequentes nesta altura em que ainda se faz sentir a monção de SW. Diz a história que os tailandeses eram um grupo étnico minoritário que vivia no sul da China e que, devido à conflitualidade com outros grupos foi sendo empurrado para a península onde agora se situa. Mas há achados arqueológicos recentes que indicam que a região é habitada desde o ano 2000 AC e que a civilização nessa altura tinha tecnologias tão avançadas como as encontradas na China e Índia. O certo é que o primeiro Reino a controlar o Sião foi o de Sukhotai, emergiu no sec. XIII. No sec. XIV o Reino de Ayutthaya tornou-se mais poderoso e conquistou o de Sukhotai. A cidade de Ayutthaya era a capital do Sião quando ali chegou em 1511Duarte Fernandes, o enviado de Afonso de Albuquerque, Vice-Rei da Índia. O interesse dos portugueses era ter uma aliança com o rico Reino que centralizava as trocas comerciais da região. Em troca do fornecimento de armas e munições, os portugueses foram autorizados a instalar um entreposto e iniciou-se uma profícua relação que durou muitos anos e que influenciou a cultura do país. A introdução do piripiri na culinária tailandesa, os fios de ovos e outros doces com ovos, loiças e várias palavras portuguesas são exemplos desta influência. Em 1529, no final do reinado do Rei Ramathibodi II, que assinou em 1516 o tratado comercial com Portugal, havia 300 portugueses em Ayutthaya. O rei atribuiu-lhes uma concessão onde construíram três igrejas e alojamentos. Tinham liberdade religiosa e instalaram-se Franciscanos, Dominicanos e Jesuítas. O rei interessava-se pelos temas da religião pois os tailandeses são muito ecuménicos, mas nunca se converteu ao catolicismo e o povo também não. Em 1650 já eram 2000, maioritariamente mesclados com os locais e constituídos por mercenários, comerciantes e missionários. Muitos tinham desertado das forças portuguesas em busca de fortuna. Havia também portugueses em funções de destaque como o aconselhamento do rei, médicos, interpretes, facilitadores nas relações com os outros reinos, etc. O português constituiu-se como a língua utilizada no comércio e contactos diplomáticos entre Ayutthaya e as nações europeias até meados do sec. XIX, altura em que foi substituído pelo inglês. Mas os mercenários portugueses, cobiçados por saberem manejar armas de fogo e seduzidos pelos atractivos saques aos perdedores das batalhas, não ofereceram os seus serviços apenas ao Sião. Também a Birmânia (Myanmar), que estava sempre em guerra com o Sião, dispunha de vários mercenários lusos. O Sião era cobiçado pela sua riqueza. O rei tinha o monopólio do comércio com o estrangeiro e exportava sedas, especiarias, madeira de teca, elefantes, marfim, ervas medicinais, etc. Os navios que levavam estas mercadorias regressavam com peças de arte, loiças, estátuas, etc., o que tornou muito diversificada a arquitectura e arte na Tailândia. Em 1564 Ayutthaya foi conquistada pelos Birmaneses que subjugaram o reino e levaram consigo o príncipe Naresuan de 9 anos que foi viver com o rei conquistador. Cresceu e estudou com o príncipe birmanês, aprendendo as técnicas e tácticas de guerra e destacou-se pela sua inteligência superior. 6 anos depois, o rei birmanês quis esposar a bela irmã e Naresuan e deu-o a ele em troca. Em 1584 Naresuan torna-se rei do Sião subjugado à Birmânia e, pela sua inteligência e conhecimento das tácticas do opressor, expulsa-os em 1593 e expande inclusivamente o território do Sião, tornando-se num herói mítico do seu povo. O grande aventureiro do oriente, Fernão Mendes Pinto, andou por aqui no século XVI. Na realidade andou entre Malaca, Sião, Indonésia, China e o Japão, lutando contra piratas e comerciando em busca de riqueza. Ou seja, conheceu bem o Sião, após cerca de 20 anos de oriente, era na altura o Europeu que melhor conhecia estas terras. Disso dá-nos conta Mário Domingues no seu livro - que agora se impunha lermos, de abordagem “exímia” (Diário de Notícias, 3/10/1958) à “Peregrinação” do aventureiro. Este livro foi “achado” na nossa biblioteca de bordo. Em 1767, após várias guerras com os birmaneses, que destruíram a cidade, o Rei Rama I decidiu estabelecer uma nova capital. Desceu o rio e uma manhã, ao nascer do sol, encontrava-se frente ao Templo da Oliveira, o que achou um bom presságio e decidiu construir a nova capital na margem contrária, replicando alguns dos palácios e templos da majestosa Ayutthaya. Os tailandeses são muito supersticiosos e até o próprio nome mudam se a vida não lhes corre bem ou se algum monge lhes diz que o nome não é adequado à profissão. Apesar de maioritariamente Budistas (90%) toleram perfeitamente e vivem em sã convivência com os 4% de Islamistas e com os Cristãos e Hindus. Inclusivamente, veneram os deuses e santos de todas as confissões. Viemos encontrar em Ayutthaya os pequenos altares de rua com imagens de Nossa Senhora, São Pedro e São Paulo e conhecemos budistas que fizeram promessas a Fátima. Os jovens Budistas devem compensar os pais passando um período de um a três meses num dos 30 000 Templos como monges, regendo-se pelos seus 227 restritivos mandamentos. Quase todos os rapazes passam por esta experiência na sua vida. As jovens têm a obrigação moral e cultural de compensar os pais tratando deles na velhice. Os Budistas regem-se por 5 mandamentos básicos: não matar, não roubar, não mentir, não cometer adultério e não beber bebidas alcoólicas. O tailandês é uma língua da família do chinês mas não se parece com alguma outra língua. Utiliza 5 tons que para nós são iguais. Não há formas verbais, nem género, nem plurais. O elefante é o animal nacional. Existe em estado selvagem e cativeiro. Eram peças fundamentais nos combates, ainda mais quando conjugados com as armas de foram introduzidas pelos portugueses, foram fundamentais para a indústria da extracção da madeira de teca e para os mais diversos trabalhos que implicassem força bruta, só substituível por maquinaria pesada. Eram registados e inclusivamente reformados aos 60 anos, um luxo. Podem viver até aos 80 anos, e quando morre um passa nas noticias televisivas, usando-se o eufemismo de que “caiu” um elefante. É herbívoro, comendo cerca de 10% das suas 3 toneladas por dia. Os seus excrementos, por serem fibrosos, são utilizados para fazer pasta de papel. Voltando à história. No final do sec. XIX, o Rei Rama V, avô do actual rei, visitou a Europa e trouxe varias ideias para a modernização do país. Assistia-se a uma política de colonização da Ásia pela França e Inglaterra. Na 2ª e 1ª metades dos séculos XIX e XX, respectivamente. A França instalou-se a oriente, na península da Indochina, ou seja no Camboja, Laos e Vietname, e a Inglaterra, a ocidente, na Malásia e antiga Birmânia. Ficando, desta forma, a Tailândia emparedada e com forte pressão sobre si, tendo em mais de um século de colonização dos seus vizinhos pelas duas potencias europeias perdido muito território. Através de ágeis manobras políticas e de diplomacia o Rama V conseguiu ceder “os braços e as pernas preservando a independência do corpo e do coração do Sião”. Actualmente as relações com os vizinhos são boas e as fronteiras estão estabilizadas. Em 1932 o Sião torna-se numa monarquia constitucional com um primeiro-ministro eleito que é o chefe do governo. Em 1939 passa a chamar-se Tailândia, terra dos homens livres. Este epíteto tem que ver com o facto de a Tailândia nunca ter sido colonizada por países ocidentais, nomeadamente europeus, o que aconteceu, com já se disse, com todos os seus vizinhos. Este facto é motivo de orgulho nacional, está-nos bem presente, visto ter sido dito e redito, várias vezes, pelos nossos guias. O actual rei, Bhumibol, subiu ao trono em 1946, sendo o monarca mais antigo em funções. Com 83 anos, encontrava-se hospitalizado durante a nossa estadia. As actividades mais relevantes na Tailândia são a indústria electrónica, a agricultura, o turismo e as pedras preciosas. Tem bons recursos minerais, sendo que o turismo é a maior fonte de receita exterior, é desde há 20 anos o maior exportador de arroz. Os seus mais de 60 milhões de habitantes consomem, cada um, meio quilo de arroz por dia e ainda dá para ser o maior exportador. A humidade é tanta que se vêm caranguejos a atravessar as estradas. Há muitos terrenos alagados, propícios ao arroz. A crise asiática de 1997 provocou uma desvalorização brusca do Bhat que passou num dia para menos de metade da sua cotação face ao dólar americano. Há muitos prédios cuja construção foi interrompida pela crise e ainda aguardam melhores dias. Actualmente existe alguma instabilidade política no país porque, há cerca de 4 anos, o primeiro-ministro foi deposto através de um golpe militar. Tinha governado 6 anos e estava acusado de corrupção. Está exilado mas envia mensagens populistas convencendo o povo de que se voltar vai pagar as dívidas do país e dos cidadãos, distribuir muita riqueza, melhorar a educação e distribuir computadores aos alunos, etc. Existe um movimento que apoia o seu regresso. Os Camisas Vermelhas causaram o pânico, queimaram edifícios e lojas, e provocam o caos afastando o turismo do país. Pela nossa parte não sentimos qualquer sinal de insegurança e até achámos o povo tailandês, para além de simpático e afável, muito feliz e confiante. Têm uma grande adoração pelo seu monarca e vivem em grandes famílias com pais, avós e irmãos e têm uma média de 2 filhos por casal. As mulheres, que antigamente dependiam dos homens, gozam de uma igualdade total e até as vimos a trabalhar na construção civil. A recepção que tínhamos tido à chegada e a atenção que tivemos dos jornalistas reflectiu-se em várias primeiras páginas de jornais e numa presença constante nas televisões, o que atraiu muitos visitantes para o cais apesar do difícil acesso e de se encontrar a mais de uma hora do centro. Iniciámos a segunda-feira com uma visita de cumprimentos ao Comandante da Escola Naval que demonstrou muito interesse na Sagres e na sua missão. Discutimos muito as vantagens de ter um navio destes na formação dos oficiais. Seguiu-se o almoço VIP a borco, com o Embaixador Faria e Maya, o Conselheiro Privado do Rei, a Presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Tailândia, a Presidente da Siam Society, que está a coordenar as comemorações tailandesas da chegada dos portugueses, alguns oficiais da Marinha Real da Tailândia, o representante da Comunidade Portuguesa e o Representante dos Luso-descendentes na Tailândia. Seguiu-se a deslocação ao Grande Palácio para assinatura do Livro de Cumprimentos ao Rei e visita guiada ao Palácio e Templo. Nessa noite ainda jantámos, todos os oficiais, com um grupo de oficiais da Escola Naval num restaurante típico da cidade onde assistimos a um show de danças típicas das várias regiões do país e provámos a boa cozinha thai. No final ainda fizemos uma ronda por alguns mercados e bares. Terça-feira a nossa equipa de futebol e respectiva claque foi visitar a Escola Naval e defrontar a equipa local. Perdemos por 3-1. É difícil cumprir com os estágios pré-jogo numa cidade destas. Depois foi o dia da nossa recepção, quase estragada pela chuva, que provocou atrasos na chegada dos convidados. Quarta-feira, fruto da atenção mediática que continuava em força, recebemos 6000 visitas a bordo. Um grupo da guarnição realizou um passeio a Ayutthaya, a convite da nossa embaixada, especialmente dedicado a conhecer a presença portuguesa no local. À chegada a bordo tínhamos vários jornalistas que nos aguardavam para entrevistas que tiveram que ser comprimidas porque nessa noite tínhamos um grande momento: O Embaixador de Portugal, estando em final de missão na Tailândia, aproveitou a nossa presença para oferecer uma grande recepção de despedida, em honra da Sagres, e dos 500 anos. Actuou a nossa fadista Maria Ana Bobone num espectáculo muito bem conseguido na qualidade performativa e na forma didáctica como o Fado foi apresentado e comentado. Encantou! Numa sala de banquetes do Hotel Sheraton, contíguo à embaixada, decorada com lindas flores, imagens da Sagres e com uma grande réplica da barca esculpida em gelo, tiraram-se centenas de fotos e conviveram os Marinheiros, os Diplomatas e Cidadãos nacionais com os distintos convidados do Governo e Instituições tailandesas e do Corpo Diplomático. Devido à chuva a recepção não se pôde realizar nos jardins da antiga feitoria portuguesa, um presente do Rei do Sião a Portugal que é a mais bela e bem localizada e foi a primeira embaixada em Banguecoque, dando um destaque especial ao nosso país relativamente aos demais. O sucesso mediático da estadia veio despertar o interesse antigo da Escola Naval e Marinha em ter um grande veleiro para a formação de cadetes e representação do país e as visitas de alunos e oficiais multiplicaram-se. Os média também pressionaram para sairmos mais tarde pois recebiam inúmeros telefonemas de pessoas que nos queriam visitar. Perante as previsões meteorológicas favoráveis, passámos a largada prevista para as 10:00 de quinta-feira para as 15:00 de forma a percorrer o Rio Chao Phraya ainda de dia. Recebemos ainda várias centenas de visitas e, à hora marcada, tínhamos cerca de 2000 pessoas e vários jornalistas no cais. Após as cerimónias de despedida com banda e autoridades, largámos enquanto caçávamos o pano latino. Navegámos uns minutos para montante, demos a volta, caçámos o pano redondo de tacada e passámos frente ao cais 10 minutos após a largada, já a todo o pano! Tocou a sereia e ouviram-se os aplausos em terra! Estava cumprida a nossa missão em Banguecoque e na Tailândia. E bem cumprida! Ao fim de nove meses de viagem continuamos a receber elogios pela forma entusiasmada e dedicada como a guarnição recebe as visitas, mantém o navio e executa as manobras – é um orgulho! Mas o nosso sucesso em Banguecoque também se fica a dever, em muito, ao excepcional apoio do Embaixador António de Faria e Maya que com uma reduzida equipa e com o apoio da Embaixatriz Maria da Piedade mobilizaram os média e as entidades, organizaram eventos e não deixaram de nos acarinhar com a organização de passeios e de uma fabulosa recepção. Bem hajam! Realçamos também o trabalho de duas tailandesas que orgulhosamente falam um português perfeito: a Pralom Boonrussamee, secretária do Embaixador e a Tassanee Norma, guia turística que interrompeu as suas actividades profissionais para oferecer um prestimoso apoio à nossa estadia. Ambas estudaram português em Banguecoque e ganharam bolsas de estudo em Portugal através do Instituto Camões que está de parabéns pelo seu trabalho neste país. Uma hora depois passámos frente à Escola Naval onde também mostrámos todo o pano e apitámos para os alunos que aguardavam, formados, a nossa passagem. Às 18:00 largámos o piloto e seguimos à vela fazendo médias de 8 a 10 nós. Já tínhamos saudades de velejar assim. O Engº Ribau Esteves, Presidente da Câmara Municipal de Ílhavo, apoiante desta viagem através do belíssimo Museu Marítimo de Ílhavo e da Associação das Industrias do Bacalhau, que forneceu o acepipe que é servido aos cerca de 5000 convidados das nossas recepções, veio fazer este percurso connosco aproveitando uma deslocação que tinha para estes lados. Desta forma pode apreciar a rentabilização do investimento e recordar um navio onde já navegou como cadete antes de decidir dedicar-se à política. Pelos vistos fez bem pois para ser reeleito 3 vezes é necessário fazer bem. Ílhavo, município onde se situa o Porto de Aveiro, está no circuito dos grandes veleiros e é dos poucos portos do Mundo que os acolhe isentando parte das despesas portuárias. Subiu ao traquete, esteve no lais do gurupés e foi ver o navio de fora. Revisitou o navio e foi comparando a sua configuração e equipamentos actuais com o que tinha em 1984/85. Para nós foi uma oportunidade para privar com um político distinto que nos falou da sua experiência no Poder Local. Tem graça o facto de encontrarmos tantas semelhanças entre o trabalho politico e o nosso trabalho – apesar de o que se torna publico ser sempre o menos bom. Na noite de sábado avistámos muita actividade de trovoadas no horizonte e grandes aguaceiros no radar. De repente o vento mudou e obrigou-nos a guinar mais de 120 graus para bombordo para não ficar com o “pano às costas”. Aguardámos para ver como iria ficar o vento após o aguaceiro mas não havia sinais de mudança e nós estávamos quase virados para trás pelo que fizemos uma faina geral de mastros às 22:00 para carregar e ferrar todo o pano, prosseguido a motor! Foi uma manobra de surpresa e o pessoal correspondeu da melhor forma! Dedicámos o Domingo e o dia de hoje à preparação do navio para a sequência de portos que se aproxima. Singapura-Malaca-Kelang, intervalados por um dia significarão muito trabalho! A atenção aos piratas tem continuado num nível elevado até porque os relatos de roubos continuam a chegar. Na “guerra interna” também temos estado activos a manter os níveis de proficiência no combate a incêndios, alagamentos e na reacção rápida antipirataria. Esta noite entramos no intenso caudal de navios que atravessam o Estreito de Malaca em direcção ao Índico. Atracaremos amanhã às 09:00 numa marina de Singapura. O Cais parece perfeito para a nossa missão que desta vez inclui uma recepção adicional de promoção das indústrias nacionais das madeiras e mobiliário.