Tenho em mim todos os sonhos do mundo "Apenas quem é desprezível pode ter medo de ser desprezado Fernando Pessoa
domingo, julho 08, 2012
Com a água do mar a 31ºC, navegámos inicialmente para NE a fim de passar o estreito de Karimata entre o Bornéu e Sumatra. Preferimos utilizar esta passagem em relação à de Gelasa, entre Bangka e Belitung, por ser uma zona mais limpa de perigos para a navegação e por termos vários relatos de acções de pirataria no local.
Sábado, já de volta ao mar do Sul da China, rumámos a NW, aproados à península da Malásia. A corrente foi-nos sempre favorável e os ventos estiveram sempre dos quadrantes de SE. Eram os alísios, com uma grande influência da Zona de Convergência Intertropical, aqui mal definida mas com frequentes aguaceiros bem fortes. Às 17:00 de Domingo, 3 de Outubro, passámos o Equador pela quarta e ultima vez nesta viagem. Foi um dia calmo, que dedicámos ao descanso e apenas alguns, poucos, vieram à ponte assistir à mudança de hemisfério nos equipamentos de navegação.
No dia 4 cruzámos os frequentados corredores de navegação que conduzem através do estreito de Malaca a navegação entre o Pacífico e o Índico. Eram dezenas de navios em fila, uns navegando para leste outros para oeste e nós íamos para norte. A equação complica-se quando temos que nos desviar de um e depois ficamos em rumo de colisão com uns poucos que antes estavam safos. Correu muito bem pois com a preciosa ajuda dos equipamentos da ponte, o Radar, a Carta Electrónica, o GPS e o AIS, bastou uma pequena alteração de proa para tornar o cruzamento mais perpendicular e o abreviar. À noite deixámos o arquipélago das Anambas por estibordo navegando com precauções redobradas por este ser um local com elevada concentração de roubos a navios. Seguimos junto à costa da Malásia até aos 5º N e atravessámos para a costa norte do Golfo da Tailândia cuja entrada estávamos a iniciar. O objectivo era navegar sob a influência de correntes e ventos favoráveis.
À medida que se aproxima o dia da nossa chegada a Banguecoque, os contactos com o Embaixador António de Faria e Maya vão-se tornando mais frequentes. Esta nossa visita, a primeira da Sagres à Tailândia, vem marcar o início das comemorações dos 500 anos da chegada dos portugueses ao Sião. Em 1511, após a conquista de Malaca pela força com o objectivo de controlar as rotas marítimas entre os oceanos Indico e Pacífico, Afonso de Albuquerque optou por não conquistar o Sião pela sua boa relação com a China. Enviou ao rei uma espada com bainha de ouro e incrustada de diamantes com o objectivo de estabelecer uma aliança. Não houve tentativa de colonização e, sendo Portugal a potência marítima de então, o Sião ficou através desta aliança ao mesmo nível dos europeus, sendo a Tailândia o único país da região que gozou sempre de independência.
Ainda deu para navegar dois dias à vela mas o vento não permitia mais, o que tornava os dias ainda mais monótonos. O feriado de 5 de Outubro foi passado à vela, sem trabalhos além dos essenciais à navegação. A única novidade a bordo é que há muita gente a iniciar ou reforçar dietas e a aumentar a actividade física. É como a "febre" dos ginásios antes do verão só que aqui o objectivo é a chegada a Lisboa. Um dos nossos jovens marinheiros, o Nogueira, juntou duas mesas das recepções e improvisou uma mesa de ping-pong. Aproveitando o vento muito fraco e a falta de balanço, desafiou toda a gente para jogar. Só acabaram à noite e criou-se mais um desporto, o "ping-pong de convés".
A 6 de Outubro realizamos um treino completo de combate a um incêndio na cozinha em que se simulou não se conseguir extinguir em nenhuma das fases do ataque e se foi até aos postos de emergência. Foi uma manhã inteira para rever procedimentos e corrigir alguns pequenos erros ou faltas que podem ser preponderantes numa situação real. Seguiu-se a preparação da barca para chegar impecável a Banguecoque.
O Golfo da Tailândia tem cerca de 500 milhas de profundidade por 250 de largura com profundidades médias de 50 metros e com muitas obstruções. Está pejado de embarcações de pesca e de plataformas de exploração de gás e petróleo e há sempre navios mercantes à vista.
No dia 9, às 6 da manhã, iniciámos a aproximação final à barra do rio Chao Phraya. Embarcámos Piloto e iniciámos a navegação de 28 milhas pelo estreito rio. O piloto estava muito nervoso pela sensação de falta de visibilidade para vante que um veleiro dá. Há muitas pequenas embarcações e barcaças a cruzar-se connosco e não há muito espaço para manobra. Ficámos algo preocupados quando um comboio de barcaças rebocadas começou a chegar-se para o lado direito do canal, aquele que é normalmente o nosso. Esperávamos fazer o tradicional e regulamentar bombordo com bombordo e fomos forçados a uma manobra rápida para passar do outro lado. "Aqui não há regra. Olha-se, vê-se a tendência do outro, e passa-se por onde der mais jeito!", disse o Piloto. O rio era ladeado de coqueiros e palmeiras ou de instalações portuárias ou de casas muito pobres misturadas com instalações de apoio à pesca. Cerca das 9:30 começámos a avistar os grandes edifícios da cidade e as gruas do cais comercial onde fomos atracar.
Contudo, já havíamos passado por debaixo de duas ponte, ambas com 50 metros de altura do tabuleiro, embora essa altura esteja bem descriminada em cartas e roteiros, causa sempre impressão, sobretudo para os menos avisados, a vista em profundidade, ou seja quando se olha para cima, temos a ilusão de que os mastros vão bater. Há quem aproveite para praxar os mais novos e dizendo-lhes para abrigar.
Com uma aproximação final muito lenta e sem velas porque não havia vento, atracámos num cais com centenas de pessoas a aguardar-nos. A Banda da Marinha, grupos de crianças e jovens, jornalistas, as comitivas da Embaixada e da Marinha, e muitos amigos de Portugal. Agitavam-se muitas bandeiras da Tailândia e de Portugal e, finda a manobra, quando descemos ao cais para cumprimentar as pessoas e agradecer a emocionante recepção, ainda fomos brindados com canções portuguesas e os hinos dos dois países cantados pelas crianças que pertenciam às escolas católicas dos "Bairro de Santa Cruz" e da "Conceição" e pelos jovens alunos de português de duas universidades locais. Actuou ainda um grupo de danças tradicionais tailandesas e recebemos o tradicional Puang Malai, uma espécie de pulseira de flores que se coloca no braço.
O Embaixador Faria e Maya e a Embaixatriz Maria da Piedade, que ensaiou as crianças num coro e dança muito bem interpretado, subiram a bordo com os representantes da Marinha e outros convidados importantes. Comentaram a emoção que foi ver a barca aparecer na curva do rio e aproximar-se do cais. Apresentado o navio e a sua missão, fizemos uma curta visita e passámos às entrevistas aos mais de 30 jornalistas que se interessaram pela nossa visita e que tiveram um papel fundamental na excelente peugada que estamos a deixar em Banguecoque e na Tailândia.
À nossa proa estava uma fragata paquistanesa que tinha acabado de receber várias crianças da International Wells School. Ao ver a Sagres, os miúdos quiseram também visitar o "barco dos piratas" que preferiam. Foi uma manhã muito atarefada a desembarcar o lixo, embarcar algumas provisões, receber autoridades e entidades, 30 jornalistas, crianças, alguns familiares nossos e muitos amigos de Portugal!
Após um tardio almoço volante improvisado iniciámos a visita à cidade, aproveitando o fim-de-semana livre. Mercado de Chantuchak, Grande Palácio, Buda Deitado, Chinatown, Casa de Jim Thompson, centros comerciais, parques e o próprio rio, foram os locais mais visitados nestes dias em que a Royal Thailand Navy disponibilizou autocarros para visitas. O navio não está muito perto da cidade porque as pontes não o permitem mas os táxis são baratos havendo ainda os tuk-tuk (triciclos), os toctoc (carrinhas), as scooters táxi, etc. Tudo serve para serviço de transporte e até no rio há vários tipos de carreiras que tornam os percursos bem mais curtos.
Na visita ao Palácio soubemos que o Rei tem vários Elefantes Brancos e descobrimos o significado da expressão. É que por cá, um elefante albino é considerado uma reencarnação de um príncipe e quem o tiver tem que o servir principescamente, i.e. com escravos, loiças de ouro, etc. Apesar de a localidade onde estes estejam ser isentada de impostos, as despesas que o elefante branco acarreta tornam-no num presente envenenado a quem o recebe.
Largamos esta quinta-feira. Até lá ainda teremos o nosso almoço VIP, os cumprimentos, a recepção a bordo e uma outra na Embaixada de Portugal e muitas mais pessoas para contactar e coisas para ver.
Depois contaremos! por: Pedro Proença Mendes, Cte do NRP "Sagres"