29NOV2010 314º Dia - Navegando no Mar Vermelho! Os relatos de ataques consumados e tentativas falhadas chegavam aos quatro e cinco por dia. A maioria no Índico, na zona de acesso ao Golfo de Aden. As melhores condições meteorológicas que se fazem sentir com o final da monção de sudoeste permitem aos piratas alargar a sua área de acção para fora do muito vigiado Golfo de Aden. Os navios mais lentos e com a borda mais baixa são os mais vulneráveis, precisamente o nosso caso. Navegámos a motor e velas fazendo a máxima velocidade possível e reforçámos a vigilância. Uma primeira reacção rápida e enérgica da equipa de segurança poderá ser desmotivadora dos que se tentassem aproximar com más intenções, mostrando-lhes que somos um navio militar preparado para lhes dificultar a tarefa. Por outro lado forçávamos o afastamento de qualquer contacto radar e evitávamos aproximar das posições correspondentes aos ataques reportados. E assim chegámos, sem qualquer susto à entrada do corredor recomendado para a travessia do Golfo de Aden, com a Somália a sul e o Iémen a norte. Aqui o policiamento é mais efectivo, com vários navios de guerra da EU, da NATO e de vários países asiáticos distribuídos ao longo das cerca de 500 milhas do percurso. Foi no dia 21, com mar calmo e lua cheia - boas condições para os piratas mas também para uma detecção atempada no radar ou com os sistemas de visão nocturna. Os nossos aliados estavam informados da nossa passagem e fomos tratados com uma atenção especial. O primeiro contacto com as forças que patrulham esta área foi o sobrevoo por um caça francês que fez algumas passagens por nós abanando as asas em sinal de saudação. Algumas centenas de metros pelo nosso bombordo acompanhavam-nos várias baleias que apenas mostravam o repuxo que saía do seu dorso. Na manhã de dia 22 recebemos a visita de uma fragata francesa. À tarde foi uma fragata tailandesa que se manteve pelo nosso través de bombordo durante várias horas enquanto atravessávamos a sua área de patrulha. Conversámos via rádio, falámos das nossas missões e desejámos boa continuação a ambos. Cerca de 5 milhas no nosso estibordo, passava um comboio com 32 navios mercantes, tal como o rebanho ou a manada que se tenta proteger do predador, dispostos numa formação muito apertada e espaçados de menos de uma milha entre eles, vão sendo escoltados por algumas unidades navais. Tantos navios e tão juntos é um risco que só vale a pena correr para evitar um perigo maior que é o ataque dos piratas. Há mesmo muitos receios e cautelas por estes lados. À tarde cruzámo-nos com um comboio com 12 navios em rumo contrário. Nessa noite fomos informados por uma fragata italiana de que tinha sido detectado um skiff suspeito a uma distância razoável de nós mas navegando na nossa direcção. Redobrámos as atenções na alheta de bombordo mas não tivemos novidades. No dia 23, após o almoço, avistámos uma embarcação suspeita que se aproximava de nós mas que vinha a sofrer com a ondulação que se fazia sentir e que lhe limitava a velocidade. Manobrámos para manter uma distância segura. Contudo, ainda pudemos identificar dois e várias escadas e skiffs no seu convés. As escadas são a ferramenta que utilizam para a abordagem aos navios mais altos e são o que diferencia as embarcações dos piratas das de pesca. Desta vez reportámos nós aos navios na zona a presença da embarcação mãe suspeita. A atenção especial de que fomos alvo não é alheia ao facto de durante o ano de 2009 cá terem andado também as nossas fragatas. O grupo de navios da NATO aqui presente foi inclusivamente comandado por um almirante português embarcado, à vez, nas Fragatas "Álvares Cabral" e "Côrte Real". É esse o espírito da aliança: dar para receber! Em breve cá estará outro navio nosso para assegurar esta importante rota marítima para que os bens que consumimos provenientes destas bandas possam continuar a chegar até nós a custos aceitáveis. Finda a travessia do corredor protegido fizemo-nos ao Estreito de Bab el Mandeb e entrámos no Mar Vermelho passando à vista do Djibuti a bombordo e do Iémen a estibordo. Foi no dia 24 de manhã. Já vínhamos a navegar à vela com um forte vento de SSE que se manteve até agora e nos permitiu desfrutar de alguns dias seguidos de vela. Este sábado fizemos duas sessões de fotografia exterior da barca. Primeiro de manhã, com um bom vento e um mar agitado e depois à tarde com um vento muito fraco mas com a luz óptima do pôr-do-sol. Colocámos a semi-rígida na água com o nosso marinheiro fotógrafo Luis Lopes, o nosso sargento realizador de belos resumos de vídeo, Francisco Coelho, e os nossos dois convidados, o fotografo Guta de Carvalho, autor das fotos que acompanham esta crónica, e o escritor Joaquim Magalhães de Castro que também faz documentários, crónicas e reportagens. O vento aqui no Mar Vermelho tem sido forte durante o dia, caindo muito ao anoitecer. Como o mar tem estado mais agitado do que o esperado, temos optado por navegar a motor à noite passando à vela ao amanhecer quando o vento cresce e abre para leste. Temos vindo a ajustar a hora de bordo para manter o sol a nascer entre as 7 e as 8 da manhã pelo que navegamos agora com apenas 4 horas de diferença para Lisboa. Como estamos para leste, o sol passa por nós bem mais cedo do que em Portugal. A lua esteve cheia no dia 21. Era como se rendesse o sol pois quando este se pôs, a oeste, estava a lua a nascer a leste. Todos os dias foi nascendo cerca de 50 minutos mais tarde até que ontem, no quarto minguante, nasceu cerca da meia-noite. As noites têm sido limpas devido ao clima seco destas paragens, o que nos proporciona céus estrelados dignos de um autêntico planetário. Com o planeta Júpiter bem visível no través de bombordo, a estrela Sírius à popa, e as constelações da Cassiopeia, Ursas, Gémeos, etc., entretivemo-nos após o jantar a identificar estrelas deste céu de inverno bem mais a sul que o nosso. Levantámo-nos cedo na madrugada de sábado para um último olhar sobre o Cruzeiro do Sul que iria deixar de ser visível por nos estarmos a afastar para norte. Lá estava ele, muito baixo, num céu que estava abrilhantado com Vénus e Saturno sobre a constelação da Virgem. O Cruzeiro do Sul é uma constelação em forma de cruz com uma estrela em cada ponta em que a Acrux, a estrela do pé da cruz, aponta na direcção do pólo sul. Assim, quando a cruz está na vertical, significa que está sobre o meridiano do lugar. Esta foi a grande ajuda dos nossos navegadores na determinação da latitude e na indicação da direcção quando, ao passar para sul do Equador, se perdia a estrela Polar. Os países foram-se sucedendo. A bombordo, a Eritreia, o Sudão e agora o Egipto. A estibordo, sempre a Arábia Saudita. No mar cruzávamo-nos ou éramos passados por enormes navios, entre eles os maiores porta-contentores do mundo com 330 metros de comprimento e 40 de boca. Repletos de contentores, são um verdadeiro desafio das leis da física! Passaram também dois mega iates escoltados por um patrulha. Ontem, pouco antes do almoço, passou por nós o navio de cruzeiros "Athena", que tem tripulação portuguesa e faz base em Lisboa. Falámos com o comandante, oficial da Marinha Mercante que ainda andou connosco na Escola Naval e que nos cumprimentou desejando boa viajem até "casa". Eles iam a caminho da Austrália onde fazem a época do inverno do hemisfério norte. Um Cozido à Portuguesa, um Polvo à Lagareiro, as Sardinhas que a minha mulher congelou este verão, os Caracóis que estão no congelador, Castanhas, etc. Esta é uma parte das listas de desejos que se vão formulando para a chegada a Lisboa. As conversas já rodam praticamente em volta do que queremos fazer quando completarmos esta viagem. Há quem já esteja em estado de ansiedade e durma mal. Falta menos de 4 semanas, um nada comparando com as 45 que já passaram, é a relatividade do tempo. Por agora concentramo-nos nas últimas intervenções nas madeiras, na confecção de novos lanudos (protegem as velas do roçar nos brandais e estais), nos relatórios da viagem e do final do ano, e na preparação da passagem no Canal do Suez. Recordamos as histórias contadas por camaradas que fizeram recentemente esta travessia, estamos com alguma apreensão relativamente à atitude por vezes arrogante e da pequena chantagem dos pilotos egípcios, comportam-se como uma espécie de "porteiros" de um canal que liga dois mares, o qual é vital para a economia do seu país e do Mundo. Depois contaremos!