terça-feira, julho 17, 2012

11NOV2010 - 296º Dia - Chegada a Goa!

Navegámos até dia 5 atravessando a metade do Oceano Índico ao sul da Baía de Bengala com ventos ainda predominantemente de WSW. A monção de SW ainda estava bem instalada. A depressão cavada que se aproximava vinda de leste transformou-se mesmo em tempestade tropical e teve até direito a nome próprio. O Jal atravessou a baía de Bengala num trajecto paralelo ao nosso, por norte, e foi provocar vários estragos na Índia antes de enfraquecer. No dia 5 passámos ao sul do Sri Lanka, a cerca de 30 milhas de costa para fugir ao fluxo mais forte de correntes contrárias, e guinámos para NW. Foi nesta altura que sentimos o maior efeito do Jal que se fez sentir ao longo de dois dias com vento forte, alguma chuva, e ondulação a atingir os 3 metros. Passámos o cabo Comorim, no extremo sul da índia, na madrugada de dia 7. Com a sua saída na costa do Malabar, o vento rodou para sul e pudemos finalmente caçar pano e fazer dois dias de vela. Passámos ao largo de Cochim no dia seguinte. O lixar das madeiras avançava e assim que parou de chover avançámos com as três demãos necessárias para que o envernizamento resista ao ambiente agreste a que está sujeito. Avançavam também as pinturas dos brancos e pretos e faziam-se alguns treinos para o rápido envergar dos fatos de protecção térmica e equipamento de combate a incêndios. Os dias vão passando lentamente mas a chegada a Lisboa já parece uma realidade muito mais próxima e vêem-se em vários locais de trabalho os quadros com os dias que faltam que são diariamente riscados: 51, 50, ..., 41. As conversas também versam sobre o tipo de chegada que cada um quer, as pessoas que querem ver primeiro, o que querem comer na primeira refeição, etc., etc. Há quem tenha sardinhas congeladas desde o verão para matar saudades logo que possível. Sempre que as tardes estão mais solarengas o convés enche-se de desportistas que complementam as suas dietas com o desgaste físico para chegarem a casa em forma. Estamos desde ontem praticamente a pairar nas proximidades de Goa. Temos estado a acabar os preparativos para o porto e hoje, ao longo da tarde, caçámos o pano latino e descemos a costa ao longo das praias entre a foz do rio Chapora e a foz do rio Mandovi. Entrámos na baía da Aguada para tirar algumas fotos ao navio com o forte e a igreja em fundo. Seguidamente subimos a costa, à vela e mais próximos das mesmas praias, que estavam repletas de gente. Carregámos todo o pano e ficámos a pairar junto a Baga Point, onde chegámos ao pôr-do-sol. Com uma bandeira de 12 panos e tendo já estado três vezes em Goa, era impossível não reconhecerem o navio. Como o navio se manteve bem estável a pairar, foi aí mesmo que realizamos um jantar colectivo no poço. O pretexto é o Dia de São Martinho e a comemoração dos três anos de comando. Era para ser um Magusto com castanhas mas o nosso fornecedor de alimentação na Malásia, apesar de as ter prometido, não as forneceu. Entretanto já perguntámos para Goa e nem sabem o que é! O importante é o convívio e a manutenção do bom ambiente a bordo, fundamental para que cada um sinta que é parte desta missão e tenha gozo nela apesar do enorme esforço que acarreta para a maioria em termos pessoais. Para nosso deleite e dos que estavam em terra, acendemos a iluminação de gala. Espectacular! Goa chegou a ser considerada, no sec. XVI, a segunda cidade de Portugal quer pelo número de habitantes, quer pelo comércio e património edificado. A cidade foi desenvolvida pelos portugueses à imagem de Lisboa e dizia-se mesmo que quem vê Goa vê Lisboa. A noção da importância estratégica de Goa é muito anterior ao ano 1510 em que Afonso de Albuquerque a conquistou para daí controlar o Império Português da Ásia. A localização estratégica a meio da costa do Malabar, as riquezas naturais, a agricultura e a rede de comunicações para o interior que os quatro rios da região permitem, fizeram a cobiça de Goa por diferentes povos ao longo dos tempos. O seu povoamento vem do neolítico, habitando em grutas junto à costa. Dizem as "Purânas", escritas sagradas, que cerca de 500 anos antes de Cristo, o deus hindu Vishnu, na sua sexta encarnação teria conquistado a região de Goa colonizando-a com tribos arianas e brâmanes. Cerca do final do primeiro milénio da nossa era, Krishna I entrega Goa aos Silharas que, em 250 anos, a transformam num importante centro do comércio marítimo da região. De conquista em conquista, Goa cai nas mãos dos muçulmanos do sultanato de Deli em 1237. Os muçulmanos perdem e voltam a conquistar a região estando no poder por alturas da chegada dos portugueses. A 20 de Maio de 1498, Vasco da Gama chega a Calecute e, após muitas vicissitudes e dificuldades criadas pelos influentes muçulmanos que dominavam o comércio e viram o seu monopólio em risco, conseguiu abrir uma brecha e criar condições para o estabelecimento de uma rota comercial directa para Portugal por via marítima. Dois anos depois chega a esquadra de Álvares Cabral que tinha descoberto o Brasil pelo caminho e consegue, a custo, negociar a instalação da necessária feitoria - uma casa murada que desse segurança aos mercadores e protegesse as mercadorias. Mas as artimanhas dos muçulmanos aguçada pela sua inveja e receio de perder o controlo do comércio conseguiu organizar uma revolta do povo contra os portugueses provocando um assalto à feitoria e a chacina de muitos dos nossos. Com todas as mercadorias perdidas, a esquadra bombardeia Calecute, destrói os navios aí fundeados e retira para Cochim onde sabiam reinar um rei inimigo do Samorim de Calecute. Mas esta esquadra teve que fugir perante um ataque dos de Calecute. Como já estava carregada, regressou a Portugal. Na segunda viagem de Vasco da Gama, em 1502, fruto dos acordos com os Rajas, já seria estabelecida uma feitoria em Cochim e uma fortaleza em Cananore. Ficam alguns navios na Índia para controlar a costa, sendo um deles comandado por Afonso de Albuquerque. O comércio da Índia estava a tornar-se demasiado importante para a coroa mas os reveses que aconteciam nas negociações locais não se compadeciam com as decisões tomadas à distância. Assim, D. Manuel nomeou um Vice-rei para a Índia sendo D. Francisco de Almeida o primeiro a ocupar o cargo, deslocando-se com uma esquadra de 20 navios, uns para ai permanecerem e outros para regressarem a Portugal na monção seguinte carregados de especiarias. Iniciou-se assim a presença da Marinha no Índico que duraria quase 5 séculos. Na altura o objectivo era tapar o acesso dos navios árabes, turcos e egípcios às especiarias, permitindo-o apenas a navios expressamente autorizados. Em 1509 o Vice-rei vence a importante Batalha de Diu que aniquila as esquadras muçulmanas e estabelece definitivamente o nosso domínio absoluto do Índico para os próximos 30 anos. Afonso de Albuquerque substitui D. Francisco de Almeida após a Batalha de Diu e, pela localização estratégica, decide conquistar Goa aos muçulmanos que a tinham conquistado aos Hindus em 1470. Foi em Fevereiro de 1510 e sem grande resistência. Mas a cidade seria reconquistada pouco depois pelos muçulmanos e, apenas com o apoio de uma nova esquadra entretanto chegada é que se consegue reconquistar Goa para os portugueses em 25 de Novembro de 1510, dia de St.ª Catarina, designada a padroeira de Goa. Em 1534 Goa torna-se na capital do Império Português na Ásia que entretanto se tinha estendido por toda a região. A cidade é construída à semelhança das capitais europeias, com grandes templos renascentistas que ainda hoje podem ser apreciados. Albuquerque estimulou o casamento entre os soldados portugueses e as mulheres de Goa e desenvolveu-se rapidamente uma população indo-portuguesa de religião católica. Aqui se instalou a sede da Companhia de Jesus para a evangelização de todo o Oriente, se construíram os melhores colégios, hospitais, gráficas, etc.. Ao longo dos anos Goa sofre com a introdução da inquisição, com as perdas para os holandeses de várias possessões asiáticas devido à nossa perda de independência no período dos Filipes, com a ocupação de vários fortes pelos ingleses a pretexto de nos protegerem das invasões Francesas de Napoleão, etc. Em 1947 a Índia torna-se independente e Salazar não atende os pedidos de negociação para a saída de Goa. A população Goesa, tendo uma cultura própria e melhor nível de vida, também se queria manter portuguesa. Em Dezembro de 1961 as tropas indianas invadem Goa, Damão e Diu pondo fim à soberania portuguesa destes territórios. A ONU ainda prepara uma resolução condenatória mas foi vetada pela União Soviética. Portugal reconhece a integração de Goa após o 25 de Abril de 1974 e instala um Consulado em 1994. Actualmente com cerca de 1,2 milhões de habitantes, 65% hindus, 30% católicos e 5% islamitas, Goa prospera devido ao comércio, turismo, recursos minerais, floresta e pesca. O rio Mandovi que liga Pangim ao Índico não tem fundos para a Sagres pelo que, à semelhança das três visitas anteriores, atracaremos no Porto de Mormugão, junto à cidade de Vasco da Gama. Será amanhã às 09:00 depois de embarcado o piloto cerca de uma hora antes. O programa da estadia é muito preenchido e conseguimos, a custo, libertar o sábado de todas as actividades programadas, concentrando-as nos outros 3 dias. Será o único dia livre atracado nos 38 dias que vão de Kelang a Alexandria. Este é o mês com mais navegação em toda a viagem, mas a caminho de casa é bem mais fácil. Depois contaremos tudo!