segunda-feira, julho 02, 2012

Navegámos junto à costa chinesa buscando a contra-corrente, da Norte Equatorial que nos era favorável, permitindo-nos avançar mais rápido para Sul. Com a água do mar a rondar os 30ºC, são muito propícias as condições para a formação e alimentação energética das tempestades tropicais. No dia 25 iniciámos a passagem do Estreito de Taiwan. Perante as estatísticas e o histórico de trajectos de tempestades tropicais, optámos por fugir à costa Leste das Filipinas e atravessar pelos mares interiores, o Sulu, o Celebes e o das Molucas. A 28 iniciámos a navegação ao longo da costa Oeste da ilha Luzon, onde se situa Manila, a capital das Filipinas. Dois dias depois costeámos a ilha de Mindoro e passámos o canal com o mesmo nome, passando oficialmente do mar do Sul da China para o Mar Sulu. Passámos relativamente perto da Ilha de Cebú, onde foi morto Fernão de Magalhães. Passámos há pouco o Estreito Basilan e já nos encontramos no Mar Celebes. As embarcações de pesca têm sido uma constante, de dia e de noite. Muito grandes no Mar da China, com movimentos sinuosos que nos colocavam em alerta por passarem para dentro do limite de em que assumimos nós a manobra para evitar uma aproximação excessiva. Às 1000 jardas (cerca de 950 m) invertem o rumo e afastam-se depois de terem provocado muito stress porque não tínhamos a certeza de estar a ser vistos e nunca respondiam às tentativas de contacto rádio. Nos mares protegidos onde agora navegamos são bem pequenas. Parecem pirogas e navegam bem longe de terra sendo por vezes tantas que a dificuldade é escolher uma zona safa para passar. Este é o nosso percurso mais ameaçado pelas tempestades tropicais. Não só porque são frequentes (25 destrutivas por ano), mas porque estamos na época mais propícia e temos algumas limitações de fuga pelo facto de navegarmos rodeados de ilhas e ilhéus, e pela nossa fraca reserva de velocidade que nos obriga a antecipar as decisões. Por outro lado são estas ilhas que atenuam a propagação da ondulação provocada pelas tempestades. No dia 25 a “Mindulle” entrou pelo continente dentro, ao Norte do Vietname, provavelmente fustigando Hanoy. No dia 27, ainda no Mar do Sul da China, surgem duas novas tempestades, a “Lionrock” e a “Kompasu”. A primeira, mesmo junto de nós, provocou ventos fortes e mar grosso durante dois dias apenas porque estava em formação e a afastar-se. A segunda, a Leste de Taiwan, não causou preocupação porque se dirigia para Norte. Ontem surgiu o “Namtheun”, bem safo lá para trás. Navegando agora em águas bem calmas e quase a sair da zona de tufões, olhamos para ré nas cartas meteorológicas e temos um panorama mau que por apenas alguns dias não nos afectou! Os possíveis actos de pirataria são agora outra das nossas preocupações. Sempre os houve mas tratava-se normalmente de simples roubos. A anarquia e condescendência de alguns países permitiu que, de há alguns anos para cá, o roubo de navios e a captura de reféns viesse substituir o “rouba e foge” e passasse a ser uma actividade lucrativa que alimenta populações inteiras. Tornaram-se mais ousados, mais profissionais e melhor equipados. Como têm apoio em terra conseguem manter esta actividade que prejudica o transporte marítimo aumentando o seu risco e, por conseguinte, o custo dos fretes que se reflecte nas mercadorias. A comunidade internacional está a gastar enormes recursos no combate a este flagelo mas vê-se confrontada com a imensidão das áreas e algumas dificuldades jurídicas com a detenção e julgamento de presumíveis piratas. A bordo estamos preparados. Temos um reforço de 9 fuzileiros, bem equipados e preparados, e temos a nossa guarnição com o respectivo armamento portátil. A nossa actuação será ao nível da legítima defesa e essa será sempre legítima! Navegamos no nível de ameaça branco e temos realizado exercícios para treinar a coordenação e as respostas a dar à aproximação excessiva de embarcações que, como tal, se tornam suspeitos. A dificuldade é distinguir uma normal e inofensiva embarcação de pesca de uma mal intencionada pois estas últimas aproveitam-se desta confusão para desferir os seus ataques de surpresa. A vida de bordo está efervescente com tantos trabalhos de manutenção. Removem-se os vernizes que estão queimados e gastos pelos últimos meses de mar, sol e aguaceiros fortes. Pica-se e raspa-se a tinta dos metais que apresentam ferrugem. Aplica-se primário e tinta ou várias demãos de verniz para ver se já dá para chegar a Lisboa. Esta viagem é três vezes maior que o normal e isso reflecte-se não só nas pessoas como nos materiais e equipamentos. Substituem-se escotas, adriças, carregadeiras e outros cabos. Refazem-se forras das betas, dos estribos e das escadas de quebra-costas dos mastros, a bem da segurança do pessoal. Passajam-se as costuras gastas das velas, o que obriga a desenvergar e voltar a envergar o pano. Fazem-se capas para protecção de equipamentos substituindo as que se gastam. Substituem-se rolamentos de motores de bombas e ventiladores. Reparam-se encanamentos, portas, fechaduras, circuitos eléctricos, etc. Estamos também a aproveitar para fazer algumas melhorias na nossa barca, embelezando-a e tornando-a mais cómoda. São horas e horas de trabalhos com um sol abrasador, esporadicamente arrefecido por um aguaceiro que traz chuva morna. O nosso Guarda-marinha Miguel Pinheiro, que prossegue a bom ritmo os passos para vir a ser Piloto de Helicópteros da Marinha, foi agora substituído pelo Tenente Adrian de Melo que embarcou em Xangai e está agora em processo de certificação para poder exercer as funções de Oficial de Quarto e tomar conta deste navio especial. Na passada sexta-feira, aproveitando a rotação do vento provocada pelo “Lionrock”, caçámos todo o pano para navegar umas horas à vela e aproveitar para fazer uma profunda revista ao aparelho e ao velame. Mudámos o óleo do motor e, ao final da tarde, perante as previsões de agravamento do estado do tempo e a necessidade de recolher as velas, aproveitámos para fazer um exercício de homem ao mar a navegar à vela. Não se pode voltar atrás. Orça-se para colocar o pano redondo a grivar e parar o navio enquanto a embarcação de recolha é rapidamente arriada e vai buscar o boneco que se afastou cerca de 700 metros e levou 12 minutos a ser entregue à equipa médica de bordo. Entretanto apita-se a faina geral de mastros para se manobrar conforme for necessário. Na sexta-feira, aproveitando uma aberta, realizámos a final do torneio de futeconvés que estava pendente desde o Japão. Sagraram-se campeões os Bolicaos, demonstrando uma hegemonia neste desporto já de um par de anos. Há muitos elementos a fazer exercício físico. Apanha-se sol ao fim da tarde, lê-se, estuda-se, jogam-se cartas, etc. Muitos passam também demasiado tempo com os seus computadores portáteis – jogos, filmes, musicas, fotos, etc. Em Lisboa os nossos interlocutores vão regressando de férias. Os nossos filhos estão já na preparação do regresso às aulas. Para trás há férias, aniversários, nascimentos, doenças, desaparecimentos que implicaram lutos a navegar, e um sem-número de acontecimentos familiares que esta viagem nos tem impedido de acompanhar de perto! Não seremos os mesmos. Nada será igual. Mas temos a ânsia de compensar esta longa ausência que nos faz valorizar as coisas boas e a monotonia do quotidiano em casa. Hoje o Cabo Norberto Cândido comemora 21 anos de casado com a Maria José. Têm estado a ultrapassar o susto que um problema da saúde dela lhes provocou e que felizmente está ultrapassado. A esta distância custa muito viver estes contratempos da vida. Parabéns aos dois! O nosso oficial mais jovem, o Tenente Flávio Eusébio, com mais de 100 kg e 1,90 de altura, e um ar de ursinho de peluche, diz que tem saudades de não ter saudades! Anda radiante porque terminaram as obras de restauro da casa que comprou antes do inicio da viagem. Talvez um pouco apreensivo por não ter participado na escolha de algumas soluções e materiais! Diz que já só faltam dois meses porque Setembro e Dezembro não contam. Por outro lado, já recordamos com nostalgia alguns momentos desta viagem que se passaram há apenas alguns meses. A catadupa de momentos vividos para recordar é tal que, quando alinhados na nossa memória, os primeiros parecem muito antigos! Já andamos a combinar os nossos encontros comemorativos desta viagem. Tem que ser com caracóis e sardinhas! Há já alguns anos que falhamos a época destes pitéus! Estamos muito adiantados no nosso planeamento para Díli. Ainda temos de atravessar o Equador, e certamente que mais uma vez, Neptuno, o Rei dos Mares, não irá deixar de fazer justiça com os recém-chegados. Assim que der vamos fazer um pouco de natação oceânica e navegar à vela. Claro está que também terão lugar competições de vela ligeira nas baleeiras. Há verdades a repor, e a sorte de principiante não durará para sempre. Até Breve, lá para os lados de Timor Leste! por: Pedro Proença Mendes, Cte do NRP "Sagres" Tags: Diário de Bordo,Itinerário da viagem,Fotos,Navegando com a Sagres