quarta-feira, julho 11, 2012

24OUT2010 - 278º Dia - Malaca!
Saudades de Portugal sem nunca ter ido a Portugal! Isto é Malaca! Largámos ferro frente a Malaca hoje às 09:00! Os fundos são baixos e há muitos baixios e pedras pelo que apenas nos conseguimos aproximar até uma milha de distância. Mas a Sagres é suficientemente vistosa para dar nas vistas a esta distância, sendo que içámos uma das nossas maiores bandeiras nacionais para que não houvesse dúvida de quem éramos. Há já vários meses que o número de contactos sobre Malaca vinham a crescer. O interesse que a nossa curta estadia estava a despertar antecipava uma visita em cheio, e assim foi. No seguimento da política portuguesa para o Índico, iniciada por D. Francisco de Almeida (vice-rei da Índia), Afonso de Albuquerque, seu sucessor, persegue o objectivo estratégico de controlar as rotas marítimas de acesso a este oceano, propondo-se controlar as cidades que dominavam as passagens dos vários estreitos. Assim, para controlar o comércio com o extremo oriente, era necessário estar em Malaca, entreposto das rotas comercias com a China, as Molucas e, mais tarde, o Japão. Malaca situa-se na margem norte do estreito a que empresta meritoriamente o nome, o qual é ladeado, a sul, pela ilha Samatra (Indonésia). Neste estreito passavam e passam todos os navios em trânsito entre os oceanos Índico e Pacífico. Com um muito reduzido número de navios e com o apoio de terra só passava quem fosse autorizado. Malaca era controlada por um sultanato muçulmano, Afonso de Albuquerque tentou primeiro negociar a instalação de uma feitoria com protecção militar e, respeitando a soberania do Sultão, obter privilégios no comércio para os portugueses. Mas as negociações não resultaram e o Governador do Estado Português da Índia enviou uma armada, comandada por Diogo Lopes Sequeira, que falhou a conquista de Malaca em 1509. Albuquerque chama a si próprio a responsabilidade de comandar uma segunda tentativa, conquistando Malaca em 1511. Já lá viviam vários portugueses que ficaram prisioneiros ou desertaram em 1509, mais soldados de fortuna (mercenários), comerciantes e aventureiros. O Sultão recua para a zona de Singapura, na ponta sul da península, iniciando a sua resistência. A população local que ficou, muçulmana, acomodou-se ao invasor e foi colonizada. Construiu-se a fortaleza a que se deu o nome de "A Famosa", pelo qual é identificada em todas as línguas e que se deve à sua envergadura e por ser inexpugnável. Ainda em 1514 teve lugar uma das mais históricas e bem sucedias batalhas navais portuguesas, a Batalha Naval de Malaca, em que a Armada portuguesa nega, brilhantemente, aos Javaneses a conquista da cidade. O nosso domínio no estreito dura 130 anos, até 1641, altura em que Portugal ficou sob o domínio filipino. Estes vedaram o abastecimento aos Holandeses, nossos amigos e seus inimigos, que se abasteciam em Lisboa e obrigaram-nos a ir procurar as especiarias na fonte. Em Malaca ficaram muitas famílias mistas e de luso-asiáticos que foram preservando notavelmente a sua identidade comum integrados nas comunidades malaia, indiana, holandesa, chinesa, etc. A sua ocupação principal era a pesca e eram muito humildes. A continuidade desta comunidade foi assegurada pela igreja católica através das suas ordens missionárias - São Francisco Xavier foi um dos que por cá passou. Reza a lenda que o navio que trazia S. F. Xavier para Malaca apanhou uma enorme tempestade que ele acalmou levantando o seu crucifixo ao céu no tombadilho tendo-o deixado cair ao mar e ficado muito triste. Uns dias mais tarde, já na praia, um caranguejo trouxe-lhe o crucifixo sobre a carapaça e ao recolhe-lo verificou que esta ficou marcada com a cruz. Ainda hoje há uma espécie de caranguejos que aparece só nesta zona na época das tempestades e que tem uma cruz desenhada na carapaça, sendo utilizados como amuletos. Em 1932 dois padres compram um terreno onde instalam a comunidade dispersa, e viemos agora encontrar um grupo de 3000 pessoas chamadas Silva, Melo, Pereira, Mendes, etc., 1300 das quais vivem no Bairro Português. Falam Cristang, um crioulo baseado no português arcaico do qual aqui juntamos algumas expressões: Comandante - Cabeça di barco Fotografia - Pintura Avião - Barco a boar Estrela cadente - Estrela de cu comprido Dormir - Cheirar a alfada Sede - Secura Muito - Tanto Bonita - Benfeta Muito Obrigado - Muito mercê Homem - Macho Mulher - Femi Pestana - Capa di olho Sobrancelhas - Cabelo di testa Orgulhoso - Gabado Em coordenação com a Embaixada, assegurada pelo Embaixador António de Faria e Maya que já nos tinha recebido em Banguecoque e que também é aqui acreditado, coadjuvado pela Dr.ª Maria João Liew, organizou-se uma visita muito especial a esta cidade. Alugámos uma embarcação que realizou vários percursos transportando os marinheiros a visitar a cidade e vários grupos da comunidade lusa a visitar o navio. Fomos recebidos no cais pelo nosso Embaixador, pelo Cônsul Honorário na Malásia e por um grupo que nos aplaudiu e cumprimentou entusiasticamente. Dançaram e cantaram a Ti Anica e o Malhão - a letra era perfeitamente perceptível. Depois uma que nos foi especialmente dedicada: Sekush Marinyerus - Ala Marinheiros Sekush marinyeros - Sei que os marinheiros Adoria ma fada - Adoram a farda Kung amor segrado - Com amor sagrado Se poish altanyero - São pois altaneiros Sauda belargada - São da velha guarda Da nossa pasado - Do nosso passado Pasado ne gloria - Passado de glória Kun keng moita fama - Que deu grande fama Amas de Portugal - Ao meu Portugal A senti de storia - Assim diz a história Dosfetu do Gama - Dos feitos do Gama Dos akues Cabral - De Zarco e Cabral Marinyeros, marinyeros - Marinheiros, marinheiros E grama nossa bandera kung amor - Ergam a nossa bandeira com amor E disay mundu nunteru - E dizei ao mundo inteiro Keng mas brado marinyeros - Que o mais bravo marinheiro Di Portugues poka saba te balor - É português porque sabe ter valor Versão de Noel Felix Tradução de Margaret Sarkission (1990) Seguiu-se a visita à "A Famosa" que após as destruições dos holandeses teve em 1808 a sua "Porta de Santiago" e o pouco que restava salvo por Sir Stamford Raffles, um oficial inglês. Aí encontrámos uma estátua de S. F. Xavier, e várias pedras tumulares, incluindo a de Miguel de Castro, filho de D. João de Castro (Vice-rei da Índia) que foi Comandante de Malaca. Estava cheia de turistas locais e estrangeiros. Seguidamente fomos visitar o Bairro Português onde tirámos centenas de fotos com os habitantes e visitámos o pequeno museu da comunidade. Visitámos o Restaurante de Lisboa, o São Pedro e almoçámos no Papa Joe do Sr. Manuel Bosco Lázaro que serviu pratos muito saborosos e actuou com o seu grupo musical e os seus dançarinos. Fados de Coimbra, a Samaritana, a Casa Portuguesa, o Malhão, etc. Até tivemos que ir dançar com o grupo o Tiroliroliro. Um dos pratos mais apreciados foi a "Galina" - galinha estufada com muitas especiarias. Outro foi o peixe assado no sal - embrulhado em prata com folha de bananeira. Até as lulas fritas são nossas. Estes luso-asiáticos são alegres, gostam de festa e de dançar, e misturam-se homens e mulheres nas danças, ao contrário das restantes comunidades. Perguntava-nos uma diferenciada descendente: "Diga-me o que é que vocês têm para que ao fim de 400 anos de se irem embora e depois de aqui passarem os holandeses e os ingleses, nós nos continuarmos a sentir portugueses?". A língua, a gastronomia, a dança e a música são factores fundamentais da identidade de uma cultura e, apesar de ao longo dos anos terem irradiado a partir de Malaca várias comunidades luso-asiáticas para países e locais da região, foi criada a Associação Cultural Korsang di Melaka (Coração em Malaca), para que o nosso legado não seja esquecido e que a comunidade luso descendente se orgulhe de continuar a mostrar ao mundo as nossas tradições, e cultura que contribuiu para a nomeação de Malaca como património da Humanidade. Presidida pela Drª Luisa Timóteo, tendo como Vice-presidente a Drª Maria João Liew, a associação tem angariado sócios em todo o Mundo e o seu trabalho foi de tal forma reconhecido que o Instituto Camões, a Fundação Oriente e a empresa Logoplaste, como mecenas, se juntaram para a apoiar nos seus projectos. Em Malaca fomos encontrar a Socióloga Cátia Candeias que, ao abrigo do projecto "Povos Cruzados: Futuros Possíveis", está a revitalizar e assegurar a continuidade do legado histórico, cultural e humano desta comunidade. Pudemos apreciar o carinho que têm por si, tanto as crianças suas alunas como os adultos de quem recolhe a memória oral. A Drª Cátia mobiliza, ensina a rezar em português, dá aulas da língua adaptada à realidade local, faz animação cultural, etc., etc. Saibam mais e acompanhem estes trabalhos em www.accemkdim.com. Falta dizer que as nossas deslocações em Malaca foram feitas num antigo Rolls Roice que faz parte da colecção de automóveis antigos do Cônsul de Portugal na Malásia. O Tan Sri (muito considerado) Comendador Eugénio da Luz Campos tem uma impressionante história de vida. Nasceu em Timor e perdeu os pais durante a ocupação japonesa da ilha durante a 2ª Guerra Mundial. Aos 6 anos foi recolhido por uma tia que vivia em Malaca. É "milionário" - tem negócios de petróleo, transporte marítimo, imobiliária, etc., e apoia muito a comunidade. Tem nacionalidade Malasiana e Timorense, estando a investir muito naquele jovem país. Este Rolls pertenceu ao Governador de Hong Kong e foi adquirido na sucata e depois restaurado. Os grupos que vieram a bordo visitaram o navio e conviveram com os marinyeros de Portugal tendo os grupos de danças e cantares actuado para a guarnição. Foram vários os visitantes que vinham com camisolas da nossa selecção nacional, ou outras com referências a Portugal, alguns tinham tatuagens com o emblema das quinas. Houve jovens que manifestavam a vontade de seguir viagem connosco, são ainda os genes de marinheiro. A vinda da Sagres a Malaca era muito aguardada. Veio reforçar a auto-estima da comunidade e foi considerada muito positiva para o orgulho perante as outras comunidades. Foi mais uma etapa da nossa missão de levar Portugal ao Mundo e reforçar a Portugalidade. No final de um dia em cheio recolhemos a bordo e trouxemos o nosso Embaixador, a Embaixatriz Maria da Piedade e a Drª Cátia Candeias, convidados especiais para o trajecto até Klang. Acompanhou-nos também o Realizador Pedro Palma que está a preparar, para a RTP2, um documentário para a comemoração dos 500 anos da chegada dos portugueses a Malaca. Ficaram por visitar alguns palácios, igrejas, resorts e atracções que existem na cidade. O Museu Marítimo alberga uma réplica da "Flor de la Mar", o navio chefe da Armada de Afonso de Albuquerque que tomou a cidade. A 20 de Janeiro de 2012, o Flor de la Mar largou de Malaca juntamente com o Enxóbregas, a Trinidade e o Jong Jawa. carregada a tope com os tesouros conquistados. A Flor de la Mar afundou-se seis dias depois, levando para o fundo do mar o tesouro do Império de Malaca cuja existência é hoje um mistério. Suspendemos o ferro às 17:00 depois de receber a visita do nosso Cônsul! Faina geral de mastros para caçar todos os latinos e voltámos à azafama do tráfego do estreito. Jantámos com os convidados na Camarinha e fizemos um serão, no tombadilho, junto ao leme de emergência com as luzes de costa em fundo e com uma noite fenomenal em que soprava uma leve brisa. Falámos de Malaca, do trabalho da Associação, das estórias da comunidade, da nossa viagem e da Sagres. Deitámo-nos tarde com a promessa de uma alvorada às 06:30 para assistirmos ao nascer do sol, que no mar é sempre lindo. Depois será a entrada em Klang, o porto que serve Kuala Lumpur. Até lá!